Ora bem, pois cá está. As cenas dos próximos capítulos.
Quando eu era pequenita, bem pequenita, e isto da televisão era um grande mistério para mim, imaginava que, assim como nós víamos as pessoas nas suas casas, nas suas famílias, no seu dia-a-dia, também essas pessoas nos viam. Assim que ligávamos a Tv, as pessoas do lado de lá começavam a ver a novela que era a nossa vida.
Por isso é que me tentava sempre comportar em frente à tv… Nada de tirar macacos do nariz, nada de bater no mano… Sentava-me direitinha (o melhor que conseguia) e, enquanto rodava na minha mente que aquelas pessoas me poderiam estar a ver, tinha um comportamento o mais exemplar possível. Claro que assim que me esquecia, voltava o comportamento habitual… A única coisa não me incomodava era quando davam os desenhos animados, porque sendo desenhos, claro que não nos viam.
Curiosamente, uma parte da população idosa deste país (e de outros também) sofre da mesma fantasia, ou ausência de realidade lógica. Só que enquanto eu pensava que aquelas “pessoas” existiam mesmo e nos viam da mesma forma que eu as via, a malta idosa acredita que aquelas “pessoas” existem, e que os ouvem gritar “não acredites que ela é uma mentirosa, só te quer enganar para te roubar o Manel Francisco” ou então “olha que ele é um vigarista, só quer o teu dinheiro…” Depois ainda há a versão “olha que ela/ele aí estão a fazer-se de bonzinhos, mas às 6 da tarde são uns malvados…”
Depois, nas reuniões de família, apanham uma pessoa distraída junto à mesa dos bolinhos de côco, encurralam a pessoa e desatam a relatar a vida da Antónia Josefa, ou do Manel Francisco…
E a malta, que não está a par dos nomes das personagens começa a pensar que aquilo realmente é alguém da família/conhecidos próximos e presta atenção aquilo… E ainda acrescenta “ah…coitadinhos… tudo lhes corre mal… “ até que se dá conta que aquilo é desgraça a mais para uma pessoa só, e que se fosse real a criatura estava internada no hospital psiquiátrico a fazer uma cura de sono porque não há quem resista a tanta desgraça…
E vai daí lá perguntamos, meio a medo porque fica mal não nos lembrarmos dos nomes dos primos que não vemos desde que largamos as fraldas, “mas ó tia/avó/vizinha do lado, quem são essas pessoas?” E aí vem a tão temida resposta… “Ó filha, a Antónia Josefa é da novela das 9, o Manel Francisco da novela das 7, e a Maria das Aflições é da novela mexicana/venezuelana/outra porra qualquer, que dá depois do almoço… mas então tu não vês tv?”
E assim percebemos que acabamos de perder um bom bocado da nossa vida, que jamais iremos recuperar… O que nos vale são os bolinhos de côco, e o licor caseiro, que felizmente estava à mão no meio de tanta desgraça e infelicidade…
É quase o mesmo que ler este blog…só que sem bolinhos de côco nem licor…